sábado, 19 de março de 2011
Gurizinho vira ídolo
A construção de Luan Santana, o maior vendedor de CDs do país
Na noite de 28 de agosto, as rodovias que davam acesso à cidade de Barretos, no interior de São Paulo, pararam. A fila de carros se estendeu por 12 quilômetros e durante quatro horas ninguém saiu do lugar. As rádios da região pediam que as pessoas desistissem de ir à Festa do Peão, e anunciavam que a organização se comprometia a reembolsar quem comprara ingressos antecipadamente. Alguns motoristas tentavam fazer o retorno pelo acostamento. Outros, mais obstinados, chegaram a pagar até 100 reais por uma vaga em postos de gasolina à margem da pista e dali seguiram a pé. Dentro do Parque do Peão, uma multidão quebrou o alambrado e invadiu a arena onde são organizados os rodeios e os principais shows da festa, ultrapassando em pouco tempo a lotação máxima permitida pelas autoridades. Ao perceber que não dariam conta da confusão, os seguranças do parque acionaram a Polícia Militar, que chegou com a cavalaria para barrar a entrada de mais pessoas. Indignadas e exibindo os ingressos que tinham na mão, muitas tentavam furar o bloqueio e eram imobilizadas com gás de pimenta. Marcos Murta, o presidente do grupo que organizara a festa, precisou de um helicóptero para chegar a tempo de anunciar a entrada no palco de Luan Santana, o jovem de 19 anos responsável por tanta comoção.
As 60 mil pessoas que conseguiram ocupar a arquibancada e a arena viram surgir por trás de jatos de fogo e fumaça um jovem branquelo de cabelos arrepiados que dava socos no ar. “Te dei o sol/ Te dei o mar”, puxou – e o trabalho estava feito, pois a multidão completou sozinha: “Pra ganhar seu coração/ Você é raio de saudade/ Meteoro da paixão/ Explosão de sentimentos/ Que eu não pude acreditar/ Ah! Como é bom poder te amar!”
Pela próxima hora e meia, o rapaz cantou para uma plateia que lhe devota uma paixão cuja intensidade poucos artistas brasileiros são hoje capazes de despertar. Trata-se de um capital emocional acumulado em pouco tempo. “Dois anos atrás”, disse Luan a seus fãs, “nós pagamos 3 mil reais para nos apresentar num palco alternativo aqui em Barretos. Eu e a equipe ficamos hospedados num único chalé e usávamos até o mesmo banheiro.” Diante dos gritos histéricos, deu o golpe de misericórdia: “Mas nunca desistimos de sonhar e ‘só quem sonha pode alcançar’”, paráfrase motivacional de um verso de Meteoro, a canção com que abrira o show.
“Eu juro que nunca imaginei que ia fazer tanto sucesso, e tão rápido”, disse Luan Santana entre colheradas de cereal Nescau Ball com leite Ninho, num voo entre Ipatinga, no coração de Minas Gerais, e Montes Claros, no norte do estado. “Eu achava que ia acabar formando uma dupla, e que tinha aí uns bons dez anos de estrada para começar a fazer algum sucesso.” Nascido em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, filho de pai bancário e mãe dona de casa, Luan era um adolescente que arranhava alguns acordes no violão e cantava afinado nos churrascos de família. Isso foi há cinco anos. Hoje, ele é uma pessoa jurídica com mais de 60 funcionários na folha de pagamento. Cobra cerca de 500 mil reais por show – como fez 306 em 2009 e 250 em 2010, Luan Santana movimentou quase 300 milhões desde que estourou. A cifra não inclui a venda de 200 mil DVDs, 400 mil CDs e a miríade de produtos licenciados em seu nome. “A gente não fala em valores por questão de sigilo e até de segurança”, disse o empresário do cantor, Anderson Ricardo. “Mas você precisa levar em conta que todos os custos de produção, transporte e pessoal saem do nosso bolso.”
André Midani, um dos maiores executivos da história da indústria musical brasileira, calcula que Luan Santana não deva lucrar menos de 2,5 milhões de reais por mês.
A rotina de trabalho de Luan Santana não lhe permite visitas frequentes à família. “A ideia de voltar pra casa é esquisita, porque uma parte da família está em Campo Grande, mas meus pais e minha irmã agora moram em Londrina, numa casa onde estive muito poucas vezes”, disse o cantor a bordo do jatinho Phenom 100, da Embraer. A aeronave fora alugada provisoriamente de um empresário paranaense, porque o jato oficial estava em manutenção nos Estados Unidos. Pintado com sua logomarca – Luan Santana, com o S lembrando uma clave de sol ao contrário –, o avião agora no estaleiro recebeu dele o apelido de “Bicuço”. “É o nome de um personagem do Harry Potter, meio ave, meio cavalo”, explicou. Os seis volumes sobre a história do bruxinho foram transferidos para o jatinho provisório. “Já li pelo menos três vezes cada um deles.” Nos revisteiros ao longo do avião, havia também A Menina que Roubava Livros, um livro para o público juvenil sobre uma garota afastada dos pais na Alemanha nazista, além da edição em 3D da Playboy com a paraguaia Larissa Riquelme na capa. “Às vezes eu acho que vou sentir falta de aproveitar essa fase da minha vida pra sair com os amigos, passear e namorar mais”, remoeu. “Se a gente conseguisse manter uma média de quinze shows por mês, como agora em outubro, já seria melhor e daria tempo de fazer tudo isso.”
O ritmo diminuiu porque o cantor precisou se preparar para a gravação do seu segundo DVD, marcada para 11 de dezembro, no HSBC Arena, no Rio de Janeiro. Tendo renovado o contrato com a Som Livre, Luan Santana convidou artistas consolidados para subir ao palco com ele, como Ivete Sangalo e seus ídolos Zezé di Camargo & Luciano. “Sempre ouvi muito sertanejo em casa, sei diferenciar a toada do chamamé e a guarânia da catira”, garantiu, batucando na perna para marcar os diferentes ritmos.
Apesar de conhecer as origens do sertanejo, há controvérsias sobre o seu pertencimento ao gênero. Tradicionalistas dizem que não há nada de sertanejo ali, uma vez que seu repertório soa muito mais à música pop. Luan Santana é o maior expoente de um gênero apelidado de “sertanejo universitário”. Não existe consenso sobre a origem do nome, mas a versão mais bem aceita é que o ritmo, mais acelerado e pop do que o sertanejo tradicional, teria nascido nos barzinhos que proliferam nas imediações de faculdades do interior do país. Luan rejeita o rótulo – “Nem universidade eu fiz ainda!” – e diz que o que faz é sertanejo e ponto. No livro Música Caipira: Da Roça ao Rodeio, Rosa Nepomuceno conta que quando Chitãozinho & Xororó estouraram, no começo dos anos 80, “os puristas inventaram adjetivos pouco amigáveis para defini-los, como sertanojos”. Igualmente atacado quando apareceu na cena muito à vontade dentro do seu chapelão de caubói, Sérgio Reis é generoso com as novas gerações. Em conversa por telefone, o cantor de Pinga ni mim fez elogios rasgados a Luan Santana – “um fenômeno”. “Ele tem potencial de voz, boa imagem e presença de palco. Mas o sucesso não é só isso, você precisa enxergar a retaguarda, a produção, a administração da carreira”, disse. “Já estava na hora de alguém voltar a cantar sozinho, esse negócio de dupla ficou repetitivo.”
A escolha do Rio de Janeiro para a gravação do segundo DVD de Luan Santana não foi tomada de forma inocente. Representa uma ocupação de território, uma bandeira fixada na capital do único estado que se mostrou refratário à febre das duplas sertanejas nos anos 80 e 90. Luan chegou ao topo das paradas nas rádios populares cariocas, como a FM O Dia, e as classes mais abastadas também entraram na dança. Casas noturnas da moda, tais como a Nuth e a Melt, passaram a oferecer uma noite sertaneja por semana, e cariocas bronzeadas de camisa xadrez, shortinho e bota cantam e rebolam ao som de Meteoro.
Atento à lógica do comércio musical, que desde o advento da MTV estabeleceu que um bom rosto é tão, se não mais importante, do que uma boa voz, Luan Santana já havia removido o aparelho dos dentes antes da gravação do primeiro DVD. Com o sucesso arrebatador que se seguiu, outros detalhes da apresentação visual receberam estudada atenção. Os poucos fios de barba que ele removia periodicamente com cera receberam um tratamento definitivo a laser. O gel que usava nos cabelos, de baixa qualidade – era facilmente confundido com suor – foi substituído por uma pomada seca que facilita a fixação escultórica de seu cabelo meticulosamente atrevido. O tênis foi mantido, apenas se tornou mais colorido. São dados pela Nike. O tradicional uniforme jeans justinho e camiseta ganhou versões 3.0. Erica Folloni, produtora de moda da revista Capricho, foi contratada para se desfazer do que havia de mais sem graça no guarda-roupa do cantor e preencher o vazio com peças dignas de um neoastro. Depois de uma rápida olhada no que estava à mão, Erica tirou as medidas de Luan, embarcou para Nova York, comprou a valer e voltou direto para Londrina, sede do negócio da família. Lá montou diferentes combinações, todas fotografadas e dispostas num banco de dados. Do computador, Luan escolhe o figurino para os próximos shows, e a mãe, dona Marizete Santana, despacha os conjuntos num saco plástico.
Quando Luan Santana acordou, às 15 horas daquele sábado, 30 de outubro, seu secretário Roberval Lelis já tinha passado a ferro as duas trocas de roupas do cantor para o show de Montes Claros e encomendado o almoço na recepção do hotel. A excitação do espetáculo impede o jovem cantor de ir direto para a cama. Nas grandes capitais, como São Paulo e Rio de Janeiro, ele costuma seguir para alguma noitada na companhia de famosos como o jogador de futebol Neymar, atores globais e ex-BBBs. Porém, nas noites tristes das pequenas cidades, Luan volta para o hotel e pede comida pelo telefone – geralmente pizza ou hambúrguer. E disso vive boa parte do ano, pois a maioria dos pernoites ocorre no interior do país. Ele raramente consegue dormir antes de o dia amanhecer. Para ocupar o tempo, fica diante da tevê, assistindo a filmes policiais ou de aventura, sempre com o notebook no colo. Corresponde-se com as fãs pelo Twitter e confere shows de outros artistas no YouTube.
Antes de ir para o quarto, Roberval Lelis combina o cardápio do almoço, que, para Luan, corresponderá à primeira refeição do dia. Como o cantor frequentemente muda de ideia em cima da hora, Lelis se defende encomendando dois pratos diferentes (ele comerá aquele que o patrão dispensar). Em Ipatinga, Luan escolheu filé executivo e Lelis pediu estrogonofe como plano B. No dia seguinte, a poucos minutos da chegada da refeição, Lelis acordou o cantor e, enquanto Luan tomava banho, fez as malas e pôs a mesa. Luan preferiu o estrogonofe.
O adolescente seguiu então para o saguão do hotel. Vestia boné, camiseta, calça jeans e tênis. Algumas dezenas de garotas o aguardavam com câmera e bloquinho na mão. Estavam lá há horas, e Luan as cumprimentou com profissionalismo, embora de maneira protocolar e tentando disfarçar o sono. Chegando ao aeroporto, a cena se repetiu, moças o esperavam. Dali, ele seguiria para Montes Claros, onde desembarcaria e seria despachado diretamente para o show. A banda já o estaria aguardando. A equipe que viaja por terra havia saído de Ipatinga na noite anterior a bordo de dois ônibus embalados de lado a lado com um adesivo de vinil que reproduz o rosto do cantor. Viajavam uma parte da banda, duas backing vocals e a produção. Seguiam também duas carretas para o transporte do cenário e das máquinas de efeito especial, além da estrutura na qual Luan sobrevoa a plateia durante a música Vou Voar. Os quase 600 quilômetros entre as duas cidades seriam percorridos em menos de quarenta minutos pelo jatinho; a carreata levaria quase doze horas.
Os pais Amarildo e Marizete Santana incentivaram os dotes do filho desde que ele começou a solfejar as primeiras notinhas. Entre as muitas fitas que guardaram para a posteridade, há um vídeo em que se vê o menino Luan, então com 5 anos, atracado a um violão a cantarolar o que tudo indica ser o opus 1 de sua obra, uma composição minimalista na qual o verso “O violão tá pesado!” é repetido inúmeras vezes. Aos 9 anos, o meninote começou a ter aulas do instrumento, mas desistiu logo. “Meu negócio sempre foi cantar, eu não queria ser violeiro. Pedi apenas para aprender os acordes necessários para acompanhar a voz”, disse.
Luan Santana tinha 14 anos quando foi apresentado à compositora Elizandra Santos, então com 30, cujo currículo incluía mais de 100 canções que haviam sido gravadas por duplas da região. “Eu me encantei com ele, que já tinha uma voz muito bonita”, lembrou Elizandra numa conversa por telefone. Ela permitiu que Luan começasse a ensaiar algumas de suas composições. Em 2006, Amarildo Santana, o pai, organizou um churrasco em Jaraguari, cidadezinha próxima de Campo Grande, e carregou toda a parentela para ver Luan cantar e tocar violão. Elizandra Santos levou um amigo produtor, Frank Ferreira, e eles gravaram o áudio da apresentação.
O adolescente ficou decepcionado com a qualidade técnica da gravação – bastante ruidosa – e, desgostoso, partiu em dois o seu CD. Frank Ferreira não ficou totalmente descontente com o resultado e divulgou o trabalho. Distribuiu o disco por carros de som que faziam propaganda pelas cidades da região e colocou no YouTube uma das faixas, Falando sério, com crédito de “Gurizinho”, sem mais detalhes. Passado quase um ano, Luan Santana recebeu um telefonema. Era um radialista de Bela Vista, interior de Mato Grosso do Sul. “Você é o maior sucesso aqui!”, anunciou, para surpresa do menino. “Ele queria que eu fizesse um show e garantia um público de mil pessoas”, lembrou Luan, no jatinho. Como era menor – tinha 15 anos – “Gurizinho” disse que não podia decidir sozinho, e pediu ao radialista que retornasse à noite, para tratar com o pai. Amarildo Santana ficou radiante. Combinou-se que Elizandra Santos, que nutria pretensões de virar cantora, faria uma pequena participação.
No dia da apresentação, havia alguém na plateia que viria a ser determinante para a carreira de Luan Santana. Anderson Ricardo, um rapaz de 26 anos, muito branco e de olhos azuis, vira “Gurizinho” no YouTube e ficara intrigado. “Eu percebi que era um produto diferente: um menino cantando sertanejo sozinho”, lembrou com voz pausada e grave. Terminado o show, Anderson procurou Amarildo Santana e disse que gostaria de ser o novo empresário de Luan. “O Anderson falou que a Elizandra queria se vender junto comigo, que não tinha nada a ver”, lembrou o cantor. “Eu tinha que seguir nessa sozinho, e ele podia me preparar para isso.” Amarildo gostou da conversa, e assim foi feito.
A apresentação abriu as portas para novos convites. Anderson Ricardo tratou de regravar o CD ruidoso, repetindo o mesmíssimo repertório. Na capa, além de “Gurizinho”, impresso em letras garrafais, apareceu também, pela primeira vez, o nome “Luan Santana”. As coisas começaram a dar certo. Foi nessa época que o cantor ouviu Falando sério, a composição de Elizandra Santos que o lançara, interpretada por João Bosco & Vinicius, uma dupla já consolidada. Como eles gravariam outras três canções da compositora que também faziam parte do repertório do jovem cantor, Anderson Ricardo e Luan acreditam que Elizandra Santos passou adiante suas músicas como forma de retribuição pelo descaso com que julgou ter sido tratada. Ela nega. “João Bosco & Vinicius já tinham gravado essas músicas, só não tinham lançado ainda. Luan também não foi o primeiro a gravar Falando sério, nem tinha exclusividade sobre ela”, diz. Elizandra não esconde a mágoa por ter sido afastada da carreira do garoto. “Eu fui a primeira a enxergar o potencial dele, o Anderson já pegou tudo mastigadinho”, lamentou. “Aqui em Mato Grosso do Sul, todo mundo acha que ele cuspiu no prato que comeu, porque saiu por aí dizendo que o primeiro CD foi produzido numa boca de porco, num fundo de quintal. É duro ver sua dedicação jogada no lixo.”
Enquanto não encontrava material inédito para Luan, Anderson Ricardo procurou atacar outras frentes. Dedicou-se a popularizar o menino e adestrá-lo para a fama. Agendou o maior número possível de shows nos fins de semana e criou uma promoção em parceria com o jornal Diário do Pantanal – “Leve o Luan Santana para a sua escola” –, que permitia a colégios inscritos receber o cantor para um show gratuito. Durante a semana, treinava Luan a interagir com a imprensa. Entrevistava-o dia após dia, ensinando como devia responder a todo tipo de pergunta. “Eu vim do rádio, sei o que as pessoas querem ouvir”, conta Anderson. Para perguntas da categoria “vida cotidiana”, como, por exemplo, “O que você detesta?”, o empresário treinou Luan Santana a apelar para o humor: “Carne moída” (podia ter sido água mineral, ou bolacha de água e sal). Ao se apresentar pelo interior do país em festas da uva, do morango, do marisco ou do shiitake, Luan aprendeu a sempre responder que a comida celebrada era a sua favorita. “Ninguém precisa acreditar, mas todo mundo acha graça”, ensinou Anderson Ricardo. Ele também estimulou o cantor a criar um blog para divulgar os seus shows e manter contato direto com as fãs que começavam a se materializar.
Os resultados não vieram e, depois de um show em Maringá para um público de apenas vinte pessoas, Luan pensou em desistir.
Em outubro de 2008, Luan Santana escreveu no seu blog: “Sexta show em Brusque... massa demais. Eu tava meio nervoso mas deu td certo graças a Deus. Eu ia abrir o show do Fernando & Sorocaba, eles iam ta la me vendo... ahushaushau... os cara são fera... e tamo ai agora na parceria.” Em sua tacada mais certeira, o empresário Anderson Ricardo conseguira que um amigo o pusesse em contato com a dupla Fernando & Sorocaba, dois músicos respeitados no meio e com uma boa estrada já percorrida. O paulista Fernando Fakri, o Sorocaba, apelido que homenageia a cidade onde se criou, e seu xará rondoniense Fernando Zorzanello concordaram que o garoto abrisse o show deles no interior de Santa Catarina. Passado menos de um mês, Luan Santana publicaria no blog a letra de uma música nova, Tô de cara: “É uma composição do Sorocaba! Valeu Soroca!!” Muito mais animada que as baladas românticas de Elizandra Santos, a letra não passava da reiteração de uns poucos versos, e a melodia compensava a pouca imaginação com o uso pesado de guitarra e bateria. A exemplo do axé baiano, o ritmo era sob medida para animar as multidões. Depois de Tô de cara, Luan nunca mais faria um show sem pedir que o público tirasse o pé do chão e jogasse os braços para o alto.
Numa conversa telefônica em meados de novembro, Sorocaba contou que músicos estabelecidos frequentemente furtam sucessos de iniciantes, processo que ele chama de “matar no ninho”. Para evitar que isso acontecesse com Luan Santana, ele começou a compor exclusivamente para o adolescente, e a produzir suas músicas “pensando no perfil dele, com um papo teen”. Era um contrato comercial. Em contrapartida, 20% de todo o lucro que o jovem cantor auferisse dali por diante seria de Sorocaba. O acordo também previa que Luan Santana abrisse os shows da dupla. “Muita gente torceu o nariz. Me perguntavam por que deixamos um moleque de tênis dividir o palco com a gente”, contou. “Ele cantava bem e conhecia muita música de raiz, talvez até mais do que eu.” Sorocaba acreditava que Luan atrairia outro tipo de público: jovens que não tinham o costume de ouvir sertanejo e, principalmente, meninas adolescentes, que comprovadamente têm o hábito de comprar mais CDs.
Sorocaba compôs outras duas canções para o garoto: A louca e Meteoro. Esta rapidamente se tornaria o maior sucesso de Luan Santana. Anderson Ricardo e Sorocaba gravaram um novo CD, Tô de Cara, distribuído à larga para contatos de rádios e para quem mais levantasse o braço demonstrando interesse. Afora o download gratuito na internet, estima-se que mais de meio milhão de CDs tenham sido distribuídos. Os shows cresciam a olhos vistos e grandes contratantes do ramo começaram a procurar o empresário para comprar datas futuras na agenda do cantor, uma prática do mercado que se assemelha a apostar em opções futuras da Bolsa. Influenciado pelo excesso espalhafatoso dos espetáculos de Fernando & Sorocaba, que empregavam fogos de artifício e rolavam sobre o público dentro de bolhas de plástico, o rapaz começou a investir na produção de seus shows.
Luan Santana pula, dança e rebola sobre o palco, e não é econômico no uso de efeitos especiais: há jatos de fogo e papel picado, e também o tal voo sobre a plateia durante a música Vou voar, ocasião em que o cantor é suspenso por um cabo de aço. A certa altura, Luan anuncia que trouxe um presente para as fãs. Finge então procurar alguma coisa nos bolsos, não encontra e finalmente ergue as mãos em forma de coração. É imediatamente imitado pela plateia, que solta um suspiro orfeônico. O momento mais aguardado acontece durante a canção Chocolate, composta por ele próprio: “Seu olhar é o meu Sonho de Valsa/ É o doce que eu sempre quis,/ Meu Prestígio é estar com você/ E pedir sempre Bis” – os versos seguem assim, num verdadeiro compêndio da chocolataria nacional, e uma jovem da plateia é escolhida para subir ao palco, abrir a boca e receber, das mãos do próprio príncipe, um bombom.
Com o sucesso, o cantor abandonou o blog e passou a usar o Twitter, mais ágil. Em notinhas diárias, ele conta onde está, como foi o show, pede votação em prêmios e divulga fotos de bastidores. Até o fechamento da revista, seu perfil tinha cerca de 800 mil seguidores.
Em abril de 2010, o humorista Bruno Mazzeo escreveu em seu Twitter: “Luan Santana, a versão vesga do Wagner Moura.” Em poucos minutos, o humorista foi bombardeado por milhares de mensagens indignadas de fãs do cantor. Mazzeo deu corda por dias e passou a se referir às garotas como “Talifãs”. Desconsolado porque a polêmica parecia estar perdendo fôlego, ele mandou o bom gosto às favas e chutou o pau da barraca: “Imagina se eu tivesse dito que ele era... enfim, deixa pra lá.” Fazia menção aos boatos persistentes que punham em questão a sexualidade do cantor, um rito de passagem que todos os aspirantes a galã devem atravessar. A origem do falatório foi um arquivo contendo uma suposta conversa on-line que correu a rede, na qual, com muito esforço interpretativo, supunha-se que Luan marcava um encontro romântico com outro rapaz. Desde então, Luan Santana parece fazer questão de propalar a sua masculinidade a plenos pulmões. No programa do Faustão, disse que transava incansavelmente com fãs, antes, durante (sim, durante) e depois dos shows. A edição do programa preferiu cortar o trecho. Exagero ou não, não faltariam candidatas caso ele resolvesse pôr em prática a rotina.
Numa tarde de sábado, um ruidoso grupo de dezoito adolescentes chamava a atenção no Parque da Água Branca, na Zona Oeste de São Paulo. Era uma reunião do Fã-Clube Luan Santana Team, agremiação com mais de 5 mil membros espalhados pelas várias sedes do país. No encontro, seriam sorteados um DVD, um caderno e um porta-CDs autografados pelo cantor. “Quando alguma de nós consegue entrar no camarim, a gente pede para o Luan autografar várias coisas para depois a gente poder sortear entre todo mundo”, explicou a presidente do fã-clube, Jenifer Fernandes, uma morena baixinha de 19 anos e cabelos alisados.
De acordo com Betina Gradim, da Redibra, empresa que licencia marcas como Cartoon Network, Os Simpsons e Ben 10 para reprodução em artigos de papelaria, brinquedos e comestíveis, a marca “Luan Santana” é a única cujo produto é uma pessoa. Atualmente, é a mais popular da empresa. Cadernos como o que Jenifer Fernandes sorteou costumam ser lançados no começo do semestre escolar, mas a gráfica Norma não quis perder tempo e, em setembro, fez chegar às lojas uma linha com o cantor na capa. Mais de 600 mil unidades já foram vendidas. A empresa de doces Riclan, que licenciou uma linha de chicletes com Luan estampado na embalagem, vendeu 56 milhões de unidades entre 29 de agosto e meados de novembro. São aproximadamente 7 chicletes por segundo.
O objetivo central da reunião extraordinária do fã-clube era divulgar a gravação do DVD do ídolo. Feito o sorteio, as dezoito meninas caminharam em ordem unida até o semáforo em frente à casa de shows Villa Country. Ali, seguindo uma coreografia previamente acertada, dividiram-se em três grupos. Era só o sinal fechar que duas delas desenrolavam uma faixa onde se lia “Pura Adrenalina! Gravação do DVD de Luan Santana dia 11 de dezembro no RJ”, enquanto outras duas filmavam a ação. As demais distribuíam folhetos com detalhes sobre o DVD.
Segundo Juliana Teixeira, uma jovem recém-formada em marketing que coordena a central de fãs de Luan Santana, há mais de 1 400 fã-clubes do cantor. “A logística dos fã-clubes mudou muito com a chegada da internet”, explicou, numa conversa por telefone. Antigamente, as garotas se afiliavam a um fã-clube central, organizado por fãs pioneiras e que se tornava referência para todas as outras. Hoje, com toneladas de informações disponíveis na internet, e com o próprio ídolo acessível em ferramentas como o Twitter, aconteceu uma quebra de hierarquia e muitas fãs criam seus próprios fã-clubes.
Juliana Teixeira trabalha no escritório de Luan Santana, numa sala que, segundo ela, é forrada de estantes repletas de ursinhos e corações de pelúcia, metros de declarações de amor e uma penca de calcinhas e sutiãs atirados pelas fãs durante os shows. Para um fã-clube ser considerado oficial, é necessário que possua pelo menos vinte membros e tenha uma comunidade do Orkut em seu nome. Cadastrados têm uma série de benefícios em relação aos fãs avulsos: podem ser sorteados para entrar no camarim do astro antes do show e ganham convites para programas de auditório em que ele se apresenta. Em contrapartida, espera-se que um fã dedicado trabalhe por Luan Santana. A função de Juliana Teixeira é propor concursos que são verdadeiras ações de marketing – por exemplo, quem mais divulgar a nova canção do ídolo no Twitter ganha entradas de graça para o próximo show.
Não era outra a razão da faixa estendida no semáforo do Parque da Água Branca: garantir alguns ingressos na plateia da gravação do DVD, que aconteceria dali a dois meses no Rio. Para isso, era necessário enviar para Juliana Teixeira o vídeo de uma mobilização pelas ruas. “Teve quem pintou carro, quem saiu com alto-falante”, contou a moça, que recebeu mais de 150 vídeos. “A nossa maior motivação é o Luan saber o nome do nosso fã-clube, sermos conhecidas pela produção dele”, explica Jenifer Fernandes, que se gaba de ter o número do celular de vários funcionários da produção do cantor. Viciada em passar as madrugadas investigando a vida de Luan Santana na internet, Jenifer bolou um plano quando, em janeiro de 2010, foi demitida do cinema em que trabalhava. Propôs à irmã que dispensasse a empregada e deixasse a faxina e o cuidado dos sobrinhos por conta dela. Na mesma ocasião, decidiu adiar o vestibular por um ano. O objetivo era não precisar sair de casa para poder se dedicar exclusivamente a Luan Santana.
Depois de meses de estudo, Jenifer Fernandes se tornou praticamente uma erudita do cantor. Com tamanho cabedal, fundou uma comunidade no Orkut, batizada desde o primeiro dia de Fã-Clube Luan Santana Team. Em pouco tempo já tinha o número mínimo de fãs para se oficializar. O plano deu certo. Jenifer não conhece pessoalmente mais de 2% das 5 mil afiliadas do fã-clube que criou.
Em janeiro de 2009, Anderson Ricardo alugou um andar inteiro de um prédio comercial na avenida Higienópolis, a mais importante de Londrina, há poucas quadras do antigo escritório de Fernando & Sorocaba. Amarildo, Marizete e Bruna, irmã caçula de Luan Santana, também se mudaram para a cidade paranaense. O pai Amarildo deixou o banco e passou a trabalhar no escritório do filho. Uma das primeiras iniciativas da equipe foi compilar material de divulgação de Luan Santana para enviar à Som Livre.
A gravadora da Rede Globo, que até quatro anos atrás se restringia a organizar trilhas sonoras de novelas, agora avançava em duas novas frentes: o lançamento de álbuns inéditos de artistas que já tinham laços com a emissora, como Chitãozinho e Xororó, e a criação do selo Som Livre Apresenta, o Slap, que imediatamente se transformou no objeto de desejo de artistas independentes com pretensões de emplacar uma música na novela ou de garantir uma participação no Faustão ou na Xuxa. O filão sertanejo deu particularmente certo e hoje já são mais de quinze artistas vinculados à gravadora.
Na maioria dos casos, o vínculo não vai além de financiar a gravação e a distribuição do álbum – contratos de longo prazo são coisa do passado. Dando certo, pensa-se num novo arranjo. Nos anos dourados da indústria fonográfica, um álbum de Leandro & Leonardo ultrapassava a marca de 3 milhões de cópias vendidas; hoje, com os downloads e a pirataria, um CD que atinja 50 mil cópias já é considerado um sucesso. Mudaram inclusive os parâmetros para que um artista receba um disco de ouro ou de platina. Até 2004, era necessário vender 100 mil álbuns para ter direito ao disco de ouro. Hoje, bastam 40 mil. No caso de platina, o patamar encolheu de 250 para 80 mil. Diante desse cenário desanimador, um entendido do ramo diz que a Som Livre só se vincula a artistas cujo champanhe já tenha sido chacoalhado – o papel da gravadora seria apenas o de sacar a rolha. Era exatamente o caso de Luan Santana.
Os coordenadores do Slap prestaram atenção ao material de divulgação preparado pela equipe do cantor. A recomendação de Sorocaba – à época, contratado da Universal e com algum prestígio no meio – também ajudou. Naquele mesmo janeiro de 2009, a gravadora despachou o coordenador musical Daniel Rigon a dois shows do cantor, com a missão de avaliar o seu potencial. “Ele já era o Luan Santana: os mesmos trejeitos, o mesmo gás. Só que pra 2 mil pessoas, em vez de 20 mil”, lembrou Rigon durante uma rápida conversa no Sertanejo Pop Festival, em São Paulo. Com seu parecer favorável, a Som Livre assinou um contrato para o primeiro DVD do cantor. A gravação reuniu um público de 85 mil pessoas em Campo Grande, e o lançamento foi agendado para fins de novembro, a tempo de chegar às lojas para o Natal.
Nos dias que antecederam o lançamento, os empresários da Som Livre começaram a perceber que tinham um sucesso extraordinário nas mãos. O burburinho nas redes sociais era incessante. Imediatamente, chamaram Anderson Ricardo para rever o contrato. A gravadora propunha um endurecimento das cláusulas em troca de exposição garantida na programação da Rede Globo. Anderson topou e a gravadora tentou emplacar uma participação do rapaz ainda em 2009, mas os programas de auditório já estavam em ritmo de férias. A oportunidade perfeita surgiu quando uma produtora do seriado para adolescentes Malhação recorreu à Som Livre atrás de um artista que pudesse suprir uma necessidade da trama. Uma personagem se tornava empresária musical e precisava de um cantor para empresariar. Era a proverbial azeitona na empada. Luan Santana ficou no ar durante uma semana e as vendas do DVD explodiram. Os programas de auditório vieram na sequência.
No dia 24 de outubro, Jenifer Fernandes caprichou na chapinha, vestiu a camiseta do fã-clube, calça jeans justa, bota de cano alto e saiu às 13h30 de sua casa em Itaquera. Encontrou algumas das garotas do Team no metrô da Barra Funda e seguiram juntas para a Chácara do Jockey, onde a Som Livre promovia o Sertanejo Pop Festival. Luan Santana era a atração principal e, de acordo com a programação, só deveria subir ao palco às 20 horas, mas as fãs queriam garantir um lugar na frente. Jenifer e algumas outras sortudas conseguiram ingressos para a área VIP, e de lá avistaram outras companheiras de fã-clube prensadas na grade da pista comum. Uma delas chorava copiosamente: era Aline Correa, de 16 anos. Jenifer nunca a conhecera pessoalmente, mas as duas trocavam quase diariamente impressões pela internet sobre a paixão comum que as consumia. (Aline se desespera só de pensar que talvez passe a vida inteira sem conseguir entrar no camarim de Luan. Sobre o fato de ser altamente improvável que realize o seu maior sonho – que é namorá-lo –, prefere nem imaginar.)
Compadecida com o sofrimento da amiga, Jenifer teve uma ideia sagaz. Assim que acabou o show da dupla Fernando & Sorocaba, que precedia o de Luan, ela deu um jeito de tirar a pulseirinha que lhe garantia a permanência no setor VIP, prendeu-a no bolso do casaco e caminhou até a grade que separava os afortunados dos infelizes. Chegando lá, acenou para um segurança que lhe pareceu simpático e foi logo fazendo amizade: “Está vendo aquela menina ali? Ela é minha amiga e está morrendo de frio. Você pode entregar esse casaco para ela, por favor?” Muito solícito, o segurança entregou o moletom para uma Aline perplexa. Despachada, Jenifer ligou para o celular da amiga: “Olha no bolso. E vem logo!” Enxugando as lágrimas, Aline disfarçou antes de sair pulando. Vestiu a pulseirinha, deu a volta e entrou na terra prometida. Muito branca e de cabelos escuros, Aline Correa podia se passar por parente de Luan Santana. Ela mora em Itapevi, subúrbio da Grande São Paulo, e se viu obrigada a interromper os estudos para trabalhar em período integral como caixa do McDonald’s.
Aquele era o segundo show do cantor naquele domingo. O primeiro tinha acontecido a 950 quilômetros de distância, na cidade de Goiânia, e agora a cúpula da Som Livre o aguardava em São Paulo para renovar o contrato. A reunião antecederia a subida dele ao palco. Em quase doze meses, o show Luan Santana Ao Vivo vendera 400 mil CDs e 200 mil DVDs. Além do segundo DVD, orçado em 2 milhões de reais, o novo contrato previa mais um CD e um terceiro DVD.
Suado, ofegante e exausto, Luan Santana entrou no palco com mais de duas horas de atraso e se valeu da histeria que provoca nas meninas, deixando que elas cantassem sozinhas boa parte das canções. Aline Correa gritava o nome de Luan tão alto que as vizinhas de grade tapavam os ouvidos. Na hora do agradecimento, Luan avistou a cartolina do fã-clube que Jenifer erguia acima da cabeça e fez menção ao Team, para delírio maior das meninas. Já passavam das onze e meia da noite quando ele deixou o palco. As fãs não permitiram que isso as impedisse de externar o que sentiam e seguiram dando gritos lancinantes na direção dos músicos que desmontavam os equipamentos. Quando estes deram o serviço por encerrado, foi a vez de urrar para o pessoal da produção, sempre na tênue esperança de conseguir entrar no camarim. Um amigo de Aline tentou convencê-la a correr antes que os ônibus parassem de circular, mas ela reagiu com determinação: “Eu não vou deixar de seguir o sonho da minha vida por causa de um ônibus. Se você quiser ir, pode ir.” Ele foi.
Na madrugada que começava a avançar sobravam apenas elas e um exército de faxineiros. Um segurança conseguiu convencê-las de que o cantor já tinha deixado a Chácara do Jockey há quase meia hora. Jenifer combinara de dormir na casa de uma colega motorizada do fã-clube; já Aline, não fazia a menor ideia de como voltar para casa. Fez sinal e subiu no primeiro ônibus que passou. Mais tarde, escreveria contando sua aventura: chegou à estação Hebraica-Rebouças e o último trem já havia partido. Começou a chorar e três funcionários da CPTM ofereceram uma carona até a porta de sua casa, em Itapevi, a 35 quilômetros dali. Deu tudo certo e ela prometeu aos pais que nunca mais faria uma loucura dessas. Não tinha a menor intenção de cumprir.
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